Miguel Torga visitou a Grécia, aquando duma viagem empreendida, a bordo de um transatlântico, entre 31 de Agosto e 15 de Setembro de 1953, que contemplou também Maiorca, Nápoles, Paestum, Roma, Capri, Atenas, Constantinopla e Argel.
Leitor atento e devoto da Ilíada e da Odisseia.( 999: 155) Torga evoca a Grécia no seu Diário, muito antes de a visitar, sendo evocada nos poemas “canção helénica” –que conota a Grécia com a beleza –e “Elegia Siciliana”, no qual o sujeito poético declara sentir saudades “Duma Grécia de artistas e de crentes/ Em paisagens e formas permanentes/ Onde se apaga a marca das idades” (1999: 547-548). Além disso, os mitos gregos (Anteu, Sísifo, Orfeu, Prometeu, entre outros) surgem com frequência na obra torguiana (Pereira, 1978: 20-31). Antes da partida, a primeira “viagem” é empreendida através dos livros, sendo a biblioteca a mediadora, pois, como declara o narrador: “Antes de ir ver a Grécia ao natural, ando a estudá-la. Calhamaços e calhamaços de exegese à volta duma coluna dórica.” (1999: 707). Ao chegar à Grécia, o viajante evidencia um profundo deslumbramento, devido a todo o seu peso cultural e civilizacional. Neste contexto, “humaniza” os deuses ao conferir-lhes a mortalidade, colocando-os num plano inferior ao dos homens, visto considerar que a “potência” da terra é superior à omnipotência do céu. Neste sentido, o narrador enfatiza a degradação dos ídolos do passado, o fim das crenças, o triunfo da razão. Apesar disso, continua a ver a Grécia como “a meninge” da Europa, pois nela ainda permanece o testemunho da sua singularidade e superioridade cultural, visto que as próprias pedras “banhadas numa luz irreal, que as protege da escuridão da morte, em vez de ruínas parecem troféus” (Torga, 1999:714). No final desta viagem, num registo datado de 15 de Setembro de 1953, o narrador sintetiza as impressões colhidas, tentando assimilar e arquivar as novas sensações e conhecimentos adquiridos. A Grécia é concebida como uma pátria superior, sonhada há muito, onde o narrador pôde contactar in praesentia com a fusão entre o pagão e o divino e, sobretudo, com a beleza, a verdade, há muito almejadas, incorporadas através desta viagem, no seu espírito. No final da descrição da sua chegada à Acrópole, é significativa a comparação usada para sintetizar este encontro com a cultura grega, metaforizada através da imagem de uma nascente, que simboliza “o encontro da beleza, da verdade e da paz” (1999:714). Em suma, a imagem traçada da Grécia enraíza-se numa aura de espírito clássico que emerge, por vezes, da obra torguiana, traduzindo-se “pelo culto à exuberância da vida, pelo culto aos sentidos, ao Belo, como medida da Verdade e do Bem” (Filho, 1987: 16).
Bibliografia:
Dora Maria Nunes Gago, Imagens do estrangeiro no Diário de Miguel Torga, Lisboa,Calouste Gulbenkian/FCT, 2008; Linhares Filho, “O poético como humanização em Torga”, in Colóquio/ Letras nº 98, Julho-Agosto de 1987; Maria Helena da Rocha Pereira, “Os mitos clássicos em Miguel Torga”, in Colóquio/ Letras nº 43, 1978; Miguel Torga, Diário, Lisboa, Pub. Dom Quixote, 1999.
Dora Nunes Gago