Macau na Obra de Eugénio de Andrade

O poeta Eugénio de Andrade (1923-2005) visitou Macau em Outubro de 1990 e registou as suas impressões no Pequeno Caderno do Oriente, formado por um conjunto de textos em prosa poética e em verso. A noção do diferente é imediatamente apreendida por Eugénio de Andrade, no segundo texto que compõe o Pequeno Caderno do Oriente, intitulado “Ofício de Paciência”, no qual salienta o facto de a cidade apresentar, ao longe, um “perfil engandor”, contudo, “é breve o engano, o carácter da cidade não tarda a revelar-se: os seus rumores, os seus cheiros, a pulsação do seu olhar, o suor do seu coro vem ao teu encontro ao dobrar de cada esquina. (1994: 13). Reconhece-se, assim, uma tentativa profunda de apreender a essência da cidade e do povo que a habita, consubstanciando-se a noção do diverso na aparência de Macau, considerada ilusória. Delineia-se, seguidamente, uma leitura deste espaço estrangeiro feita, não apenas através do olhar, mas também dos outros sentidos, convocados através da captação dos odores e de todas as sensações que envolvem aquele ambiente. Nota-se que o sujeito poético se afasta de uma postura etnocêntrica, evidenciando uma verdadeira “filia” face ao “exotismo” da realidade estrangeira observada. Assim, aquele povo pobre (e aqui emerge a ideia das desigualdades sociais) é considerado muito superior a nível espiritual, humano e artístico, porque “o que lhes sai das mãos trabalhado em abundância de espírito –cerâmica, palha, bambu, comida, caligrafia, pintura, papel, poesia, tecido, pedra música – tudo revela um saber delicado, subtil, superior”. (1994: 13). Deste modo, a dimensão exótica, desenha-se tal como referiu Maria Leonor Buescu, como “a contrapartida do etnocentrismo, uma “estética do diverso”. (1997: 567). Por seu turno, os jardins também atrairam Eugénio de Andrade. Acerca do Jardim de Lou Lim Leoc, refere: “Deste jardim o que levo comigo /É um ramo de bambu para servir/De espelho ao resto dos meus dias.” (1994:15). Neste caso, o que o impressiona não é o aspecto exterior da flora exótica, mas antes o facto de ela se inscrever na sua própria vida e no seu futuro, permitindo-lhe projectar-se nessa realidade que lhe servirá de “espelho”. Importa ainda referir o forte simbolismo do bambu, considerado de bom augúrio. Então, não é o aspecto exterior da realidade observada, mas sim a “alma” desse espaço, que o sujeito poético capta, invocando, através das imagens literárias, o espírito do lugar, ou “genius loci”. Deste modo, ambiência humana que povoa aquele local é igualmente retratada em “canto solar”, onde é descrito o passeio dos pássaros. Geralmente, são os mais idosos que o fazem e o seu sorriso parece ser “o segredo mais bem guardado do Oriente”, interrogando-se o poeta se “As fontes da ternura serão também as mesmas da crueldade?” (1994: 23). Inscreve-se, deste modo, a ambivalência do carácter daquela gente, através do binómio ternura/crueldade. No poema intitulado “Templo da Barra” escreve apenas: “O verde dos bambus mais altos é azul/ ou então é o azul que pousa nos seus ramos.” (1994: 21). É esta imagem da sinfonia e fusão das cores que domina e sintetiza a impressão provocada por este espaço sagrado na mente do poeta. Eugénio de Andrade, distancia-se duma óptica etnocêntrica, evidenciando uma atitude “cosmopolita”, aberta face ao “outro”. Numa enriquecedora sede de diálogo, tenta apreender a realidade, tal como ela se apresenta e não à luz limitadora da sua cultura de origem. O poeta procura a essência das coisas –a humanidade dos velhos que passeiam os pássaros ou duma determinada rapariga num jardim. Nesta esteira, Macau delineia-se como o espaço onde a alteridade é convertida em poesia, onde o “eu” tenta redescobrir a sua identidade.

 

Bibliografia:

Dora Nunes Gago, ”Macau “pintada” em versos de “pedra e água” por Eugénio de Andrade”, in Revista de Cultura, nº 34, Abril 2010; Eugénio de Andrade, “Pequeno Caderno do Oriente”, Revista de Cultura, nº 18, Macau. ICM, 1994; Maria Leonor Carvalhão Buescu, “O exotismo ou a estética do diverso”, in Literatura de viagem, narrativa, história, mito, (ed. Ana Falcão et ali.), Lisboa, Cosmos 1997.

 

Dora Nunes Gago