Pragas nos Periódicos

CARTAS DA MONTANHA, Tondela, 30 de Janeiro de 1898

Dublin Core

Título

CARTAS DA MONTANHA, Tondela, 30 de Janeiro de 1898

Criador

Eduardo Duarte

Fonte

O Jornal de Cantanhede, n.º 451, pág. 3, col. 2, 3

Data

05-02-1898

Colaborador

Pedro Barros

Text Item Type Metadata

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Anda por aqui receosa e apreensiva a gente do campo, incluídos lavradores proprietários, porque o tempo corre, frio sim, mas excessivamente seco. Temem, e creio que com razão, os homens versados em coisas agrícolas, que as chuvas, há tanto esperadas, comecem a cair intensamente quando venham a prejudicar as lavouras e, por consequência, as sementeiras. Referem-se, bem entendido às sementeiras do milho, que são, nestas terras, as mais importantes. Receiam ainda os práticos que este belo tempo que corre — vão na realidade uns dias de primavera — sofra uma brusca alteração e que, recrudescendo de intensidade, o frio possa actuar desfavoravelmente sobre as videiras, que na maior parte se acham podadas de fresco, produzindo daninhos efeitos sobre os golpes feitos de novo.
Não são completamente infundados tais receios. Todas estas hipóteses podem dar-se, infelizmente. Mas a meu ver, a pobre gente das aldeias, em geral, movida mais ou menos do seu interesse egoísta, por via de regra, exagera os perigos. Tem havido muitos invernos húmidos e muitos invernos secos; alguns com vendavais e chuvas tempestuosas; outros com ventos frios e intensos, nevões, geadas, etc., etc. A irregularidade das estações; os diversos fenómenos meteorológicos; a mudança, às vezes brusca e repentina das condições atmosféricas, são coisas por de mais sabidas e com os quais deve sempre contar-se em agricultura. O caso é que o agricultor, experiente e previdente, saiba preparar-se para todas essas e muitas outras eventualidades. Pode afoitamente dizer-se que, em agricultura, não há nada certo. Prouvera a Deus que assim não fora; porque então facílima coisa seria a exploração da terra. Seja, porém, o que for; suceda o que suceder, o que é essencialmente preciso é que a boa gente da aldeia se não deixe apossar do desânimo, desse desânimo infecundo e esterilizador, que lhe tem acareado mais prejuízos que o míldio, a filoxera, o black-rot e tantos outros parasitas que têm danificado as videiras.
É certo, não obstante os maus presságios, que vão por aqui continuando as plantações de vinha; os trabalhos da poda tomaram, nos últimos dias, um grande incremento; vai-se aplicando estrume às terras e preparando madeira para a empa.
Eis os trabalhos da ocasião, e é isto, com efeito, o que convêm fazer. Deixem-se os lavradores e proprietários de apreensões doentias. É bom ser previdente e cauteloso; mas nada de exagerar perigos nem fantasiar hipóteses. Trabalhemos. Façamos o nosso dever e esperemos que o tempo faça a seu.
Tais são, neste momento, os meus conselhos aos agricultores.
Sigam-nos ou não, como quiserem; porque ou num ou noutro caso nada lhes levarei por eles. E, já que lhes falei em trabalhos, vem a propósito dizer-lhes, para fechar, o seguinte. Tenho diante de mim, nesta ocasião, um artigo com pormenores interessantíssimos acerca do popular e famoso romancista Júlio Verne. Diz esse artigo que o célebre autor das Vinte mil léguas submarinas tivera há pouco uma entrevista com um dos redactores do Temps, jornal de Paris, e que se despedira dele com as seguintes palavras: «À minha vida é o trabalho. Se algum dia me faltasse que fazer, era para mim mais dolorosa essa falta do que não ter pão para matar a fome. Agricultores! Não esqueçamos estas palavras e façamos delas a nossa divisa. Trabalhar e para a frente.

Ficheiros

Citação

Eduardo Duarte, “CARTAS DA MONTANHA, Tondela, 30 de Janeiro de 1898”. In O Jornal de Cantanhede, n.º 451, pág. 3, col. 2, 3 , 05-02-1898. Disponibilizado por: Pragas nos Periódicos, acedido 26 de Novembro de 2024, http://fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/1153.

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