Pragas nos Periódicos

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O Manuelinho de Évora, Ano II, Nº 61, p. 1.

Data

21-03-1882

Colaborador

Leonardo Aboim Pires

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Na sessão da câmara dos srs. deputados, em que o sr. visconde da Ribeira Brava interpelou o sr. ministro das obras públicas acerca das providências tomadas contra a filoxera, usou também da palavra o sr. D. José de Saldanha, deputado por este círculo.
São de muita valia as considerações de sua exª. sobre o assunto que interessa a todo o país e, principalmente aos habitantes das regiões vinhateiras, ainda que menos importantes que as do Douro e Estremadura, como são as de Borba, Vila Viçosa, Redondo, etc. neste distrito.
É de urgente necessidade não facilitar aos proprietários das regiões atacadas da filoxera os meios necessários para debelar esse flagelo, mas ainda introduzir na respetiva legislação, as providências tendentes a evitar que o contágio da filoxera se estenda a outras províncias.
Conquanto um pouco extenso, o discurso do sr. D. José de Saldanha, damo-lo hoje na íntegra, porque deve interessar aos habitantes do Alentejo, província essencialmente agrícola.
Sua ex.ª disse:
«Sr. presidente, quando o sr. Mariano de Carvalho chamou à atenção do governo para o assumpto em discussão, e em seguida o sr. Navarro falou no mesmo sentido, desejei indicar ao sr. ministro das obras publicas, comércio e indústria a existência de um outro facto importante, de que eu tinha noticia; mas, como não sou especialista n'esta matéria, não quis pedir a palavra sem estar munido de documentos, firmados pelos homens técnicos e dos mais conhecidos no país.
Este assunto, quanto a mim, é da máxima importância. Eu vi ultimamente aprovar pela maioria d'esta câmara um tratado de comércio, no qual se consideram os nossos vinhos o primeiro produto de exportação do país, e vi, alem d'isso, o sr. ministro das obras públicas apresentar uma proposta de lei relativa ao caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras e a Sintra, que também tem uma ligação especial com esta questão, pois é do comércio dos vinhos que há de vir o principal rendimento para esta nova via de comunicação acelerada. É, portanto, fora de dúvida que esta questão da filoxera é do maior alcance para o futuro da primeira produção agrícola do país, e assim ocupemo-nos dela, e deixemos para o segundo lugar a questão da resposta ao discurso da coroa, a da reforma da carta e outras tantas questões políticas, tais como a da reforma eleitoral, etc.
Hoje, para nós, e a meu ver para o parlamento, a questão grande, a questão vital, é esta de que me ocupo agora, que pode reduzir à miséria milhares de famílias, e que pode concorrer até para a perda da nossa independência, desde o momento que acabe a nossa principal fonte de riqueza publica e não tenhamos novos recursos para fazer face à falta que nos possa advir da perda dos nossos vinhos, não tendo tratado a tempo e horas de promover o desenvolvimento de outras fontes de receita, como, por exemplo, o rigoroso e severo aproveitamento e implantação dos produtos valiosíssimos das nossas colónias.
Sr. presidente, o facto a que eu me quero referir é o seguinte: O sr. A. Gorjão receia que tenham vindo de S. Miguel para a Abrigada uns barbados de castas americanas, que são atacadas e destruídas pela filoxera tão bem como as nossa cepas. Consta isto de uma carta escrita por este senhor, e que está publicada no número deste mês de Fevereiro do jornal a Gazeta dos lavradores. A carta é dirigida ao redator principal deste jornal, o sr. António Batalha Reis, ao qual aproveito a ocasião para tributar aqui, n'este lugar, louvores pelos seus serviços à agricultura, e por ter conseguido ser especialista n'um país, no qual é difícil, senão impossível, ser especialista em qualquer dos ramos dos conhecimentos humanos. Sei-o por mim, e também o sabe a maior parte das pessoas presentes, pois quási todos nós, em Portugal, por circunstâncias independentes da nossa vontade, somos obrigados a fazer modo de vida daquilo para que menos nos habilitámos nos primeiros anos dos estudos superiores, ou para que menos tínhamos inclinação natural.
Foi, pois, ao sr. António Batalha Reis que o sr. Gorjão se dirigiu, perguntando-lhe, em relação à importação de bacelos, que tinham vindo de S. Miguel para a Abrigada, se ele sabia se se teriam dado por parte das autoridades competentes todos os passos necessários, para verificar se esses bacelos podiam ser, ou não, plantados sem risco, e com resultado profícuo n'uma região indemne.
A resposta do sr. Batalha Reis, a qual se encontra também publicada em seguida à carta do sr. Gorjão, e que não leio para não cansar os srs. Deputados, e porque também entendo que a leitura demorada dos documentos só pode servir para distrair a atenção dos ouvintes; a resposta, digo, do sr. Batalha Reis contém duas afirmativas: primeira, que era perigoso andar vir de S. Miguel as plantas americanas, porque estão sujeitas a serem atacadas e destruídas pela filoxera; segunda, que as autoridades responsáveis pela execução das leis e regulamentos que dizem respeito à filoxera, não cumpriram o seu dever.
Eu, sr. presidente, não conheço os empregados, aos quais estas faltas são imputadas, e faço obra apenas pela afirmativa que está escrita no jornal a Gazeta dos lavradores, jornal que corre pelas mãos de todos. Chamo muito especialmente a atenção do sr. ministro das obras públicas, comércio e industria para a Segunda d'essas afirmativas, e peço a s. exa. que proceda como deve e da maneira que julgar mais conveniente.
Este debate vai já um pouco longo. Nas circunstâncias em que foi encetado entendi dever tomar parte nele pela resposta que o sr. ministro deu ao sr. visconde da Ribeira Brava, quando afirmou que estava na resolução de tomar todas e quaisquer providencias que dependessem da sua iniciativa. Estas providências são, na minha opinião, de duas espécies: umas dependem unicamente do poder executivo, e outras dependem hão-de partir da apresentação de projetos de lei e de modificações a introduzir na legislação atualmente em vigor sobre a filoxera; e por isso, em relação a este ponto, tomarei a liberdade de recomendar a s. exa. o que está indicado nas atas da comissão central da filoxera, e nas atas da comissão central na língua, documentos que têm sido publicados, e nos quais se apontam as alterações a introduzir na nossa legislação, para a tornar mais efetiva, mais pratica, mais conforme com o pensamento que presidiu à redação das leis, decretos e portarias que regulam sobre a matéria. Eu recomendo isto ao sr. ministro, e insisto na minha recomendação, e peço a s. exa. que não se prenda com os obstáculos burocráticos. Fui empregado público dezasseis anos, e sei como as dificuldades nascem, para qualquer individuo sentado nos bancos do ministério, quando quer exercer a sua iniciativa. Desde que a questão da filoxera se levantou novamente no país, que tanto está sofrendo, e no parlamento, que quer dar, quanto possível, remedio ao grande mal, é necessário que o sr. ministro vá na vanguarda de nós todos, e para isso empregue todos os meios ao seu alcance, desprendendo-se de quaisquer considerações, pessoas ou burocráticas. Se as circunstâncias exigirem aumento de despesa, peça s. exa. as devidas autorizações, pois estou persuadido de que a camara não se negará conceder-lhe tudo quanto for necessário para pôr o país ao abrigo do flagelo.
Lembrarei mais que a legislação em vigor é devida, em grande parte, senão no todo, à iniciativa de um ilustre membro da oposição, o sr. Saraiva de Carvalho, e aproveito o ensejo para dizer que s. exa. foi um dos ministros que mais atenção prestou à chamada agricultura pratica do país. Insisto n'este ponto, porque é certo que, infelizmente, os negócios da nossa agricultura tem andado muito descuidados. (Apoiados.)
Não é agora ocasião de levantar a minha voz no parlamento sobre toda a questão agrícola, mas peço ao sr. ministro que olhe para este assumpto, e desculpe-o se não fizer tudo o que é necessário. Faça pouco, se não poder fazer muito, já que o ministério a seu cargo está de tal modo sobrecarregado de trabalho que, por maior que seja a sua boa vontade, não poderá de certo atender a todos os assumptos com eficácia, mas faça alguma cousa. (Apoiados.) Enquanto a filoxera, s. exa. não deve hesitar um só momento em trazer ao parlamento quaisquer medidas urgentes, e igualmente as modificações reclamadas pelos homens competentes para a atual legislação que nos rege n'este assumpto, e estou certo de que a oposição há de concorrer com s. exa. para que se obtenha um resultado imediato e prático. Faço justiça ao patriotismo do sr. Saraiva de Carvalho, que ligou o seu nome à legislação vigente, e acredito que s. exa. não se negará a prestar agora mais um valioso serviço à causa que é de todo o país. Não me alongarei em mais considerações sobre o assumpto. Quis apenas expor a minha opinião francamente.
Tenho andado sempre completamente alheio a estas lutas oratórias, e por isso antes de concluir devo fazer uma observação.
Só quem faz vida do magistério ou da advocacia tem ocasião de se habilitar para estas discussões, e o individuo que não tem este tirocínio, acha-se numa situação difícil como eu. Obedece ao seu raciocínio e à sua consciência, mas não pode contar com outros elementos: para persuadir tem apenas a força, que nasce das próprias convicções.
(Vozes: - Muito bem. Muito bem)

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Citação

S/autor, “S/título”. In O Manuelinho de Évora, Ano II, Nº 61, p. 1., 21-03-1882. Disponibilizado por: Pragas nos Periódicos, acedido 26 de Novembro de 2024, http://fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/1358.

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