Pragas nos Periódicos

QUESTÃO VINÍCOLA II

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QUESTÃO VINÍCOLA II

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Fonte

O Jornal de Cantanhede, n.º 45, pág. 1, col. 2,3,4, pág. 2, col. 1,2

Data

27-04-1890

Colaborador

Pedro Barros

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É talvez de uma certa utilidade, para uma inteira compreensão dos deveres que a nossa actual situação vinícola nos impõe, o resumir aqui em largos traços a história da produção deste departamento nos últimos quarenta anos. Em 1854, o oídio precipitava o rendimento geral da Gironde no inverosímil minimum de 36000 toneis, pouco mais de 300000 hectolitros. Toda a gente imaginou que chegara dessa vez o extermínio completo, e que das famosas vinhas da Guienne não restaria em breve senão a memória. Anos depois, o enxofre vencia o oídio, e a produção na Gironde elevava-se sucessivamente a toneis 210000 em 1858, a 312000 em 1864, a 354000 em 1866, a 504000 em 1869, a 582000 em 1874, e a 588000 em 1875. Foi este o período áureo do comércio bordelês. Algumas dessas datas ficaram duplamente célebres, pois correspondem, não só a uma produção avultadíssima, mas também a uma excepcional qualidade. Os vinhos de 1864, 1869, 1874, 1875 vendem-se hoje por preços fabulosos, e cada ano que passa vai progressivamente aumentando a cotação que o mercado lhes atribui. A partir de 1875, a produção despenha-se outra vez. A filoxera e o míldio assolam os vinhedos, e dez anos depois da maior colheita do seculo (1875 = 582000 toneis) o rendimento de todas as vinhas da Gironde mal atingiu a cifra 114000 toneis. Seguiu-se um período de indecisão e de incerteza. Como lutar? De todos os lados surgiam remédios contra o mal; mas nenhum deles surtia resultado apreciável, De um imenso conjunto de tentativas e de conferências apurou-se, enfim, um plano de defesa, para cuja realização não houve sacrifício que parecesse demasiado cruel.
O sulfureto de carbone, as submersões detiveram a marcha invasora da filoxera; pela plantação em larga escala de vinhas americanas reconstituiu-se uma grande parte das vinhas destruídas; as pulverizações cúpricas destruíram o míldio. A colheita de 1888 trouxe consigo o prémio destes esforços. A produção da Gironde atingiu, nesse ano, a respeitável cifra de 294000 toneis, que excede de muito a média dos últimos quarenta anos. Na região privilegiada do Médoc, a proporção do rendimento foi ainda muito maior. Em 1885 mal excedeu 3000 toneis. Em 1888 subiu a 9300. Triplicou portanto, ou mais. Tenho debaixo dos olhos um curioso diagrama, que revela, melhor do que todas as estatísticas aritméticas do mundo, quanto é aleatória, sujeita a decepções profundas e a violentas alegrias a vida do proprietário. Esse diagrama representa precisamente o rendimento das colheitas vinícolas na Gironde, desde 1860 até hoje. Uma linha cheia corresponde à produção geral do departamento; outras, ponteadas, à produção em regiões especiais do departamento, Médoc, Blaye, Sauternes, etc. Nada mais irregular e caprichoso do que a trajectória dessas linhas, que ora se erguem até o topo da página em flechas agudíssimas, ora se precipitam a pique em profundidades inverosímeis. Assim, no ano de 1875, o vértice do ângulo atinge a altitude equivalente a 5200000 hectolitros. Chegada a este ponto, a linha desce tão vertiginosamente que, em 1876, acusa apenas 2100000 hectolitros de produção. De um ano para o outro a Gironde perdeu 3000000 hectolitros! Em 1877 a linha ergue-se de novo a 3500000 hectolitros. Seguem-se os anos da filoxera, e ela desce sem interrupção sensível até 1886, em que atinge o nadir do seu percurso, acusando um rendimento de pouco mais de 1000000 hectolitros. A partir dessa data, a luta com o mal, por meio de submersões, tratamento pelo sulfureto e replantações, toma um carácter intensivo e enérgico. Chega, finalmente, o ano de 1888, e com ele, para este departamento, o prémio de todos os esforços e de todos os sacrifícios.
A produção salta a 2600000 hectolitros. Mas já em 1889 as influências atmosféricas e outras causas mórbidas interrompem este brilhante movimento ascensional. A colheita do ano findo não excedeu 2148510 hectolitros, segundo reza a estatística Embora acusem uma diminuição, estes algarismos são ainda muito satisfatórios, e comprovam claramente a eficácia dos meios de luta empregados nesta região. Infelizmente para a França, o excelente exemplo dos viticultores bordeleses não foi desde logo imitado no resto do país. Daí uma correspondente desigualdade nos resultados. A colheita de 1889 foi a mais exígua dos últimos trinta anos. Os 1817787 hectares de vinhas francesas produziram apenas 23223572 hectolitros. Era 1888 a produção total havia sido de 30000000 hectolitros, e em 1885 e 1886 (os anos em que a importação de vinhos portugueses atingiu o seu zenith) de 28000000 e 25000000 respectivamente. Entretanto o impulso está dado. Se a Gironde colhe primeiro os frutos da vitória, em breve chegará a vez dos mais vagarosos combatentes. À hora actual o tratamento das vinhas enfermas abrange uma superfície de, 100000 hectares, a saber: submersão 36000, pelo sulfureto de carbone 58000, pelo sulfocarbonato de potassa 9000. Quanto á reconstituição das superfícies destinadas por meio da plantação de cepas americanas, eis-aqui alguns algarismos, cuja eloquência dispensa quaisquer comentários. As vinhas americanas cobriam:
HECTARES
Em 1881, 8904 em 17 departamentos
Em 1882, 17906 em 22 departamentos
Em 1883, 28012 em 28 departamentos
Em 1884, 52777 em 34 departamentos
Em 1885, 75292 em 34 departamentos
Em 1886, 110787 em 37 departamentos
Em 1887, 165517 em 38 departamentos
Em 1888, 214787 em 43 departamentos
Em 1889, 299801 em 44 departamentos
A Gironde entra neste total com 1900 hect. São de um interesse evidente estes algarismos, agora que os progressos constantes da filoxera chamam a atenção do país inteiro para os meios de combater a marcha invasora do flagelo. O caminho está-nos traçado pela França, que nos precedeu
nos infortúnios que hoje nos acometem, e que nos prova hoje que a vitória está ao cabo da luta, que é forçoso travar. Já se não caminha para o desconhecido; sabe-se, com precisão absoluta o que convém e cumpre fazer; mas os sacrifícios são tamanhos e exigem da parte do produtor tanta coragem, tenacidade e força moral, que uma involuntária ansiedade se apodera de nós ao encararmos o futuro, tanto mais quanto é certo que as condições da luta não são as mesmas que em França. Os recursos materiais são aqui imensos, existe um enorme pecúlio, lentamente formado pela economia individual, que permitiu ao país viticultor o sacrifício de uns poucos de anos de rendimento para conseguir a reconstituição de uma parte dos vinhedos destinados a assegurar à próxima reconstituição da totalidade. Há a notar também que, antes do aparecimento da filoxera, a França atravessara um período de prosperidade comercial e agrícola, sem exemplo: oito ou dez admiráveis colheitas sucessivas haviam enriquecido os produtores; e aqui, mais do que em nenhum outro país, o cultivador da terra é sóbrio, previdente e entesourador. Existia pois uma avultada reserva, que entrou em linha nos anos difíceis. A prova formal de que os resultados se produziram, na razão directa dos sacrifícios feitos e dos esforços empregados, está na rapidez com que as regiões produtoras de vinhos caros se reconstituíram. O Médoc, por exemplo, onde os proprietários são quase todos abastados, e onde não houve despesa diante da qual se recuasse , para combater o flagelo invasor, acha-se já a estas horas produzindo mais vinho do que nos anos anteriores à filoxera, e a sua colheita é, depois da de 1875, a mais importante dos últimos cinquenta anos. Em toda a parte onde o valor venal dos vinhos é elevado, se observa o mesmo fenómeno de reconstituição acelerada; mas já nos Palus, onde a propriedade é mais dividida, e o produto mais barato, se não pode lutar com a mesma largueza de meios, e se obteve um resultado inferior. O que será de Portugal vinícola daqui a alguns anos? À mancha negra vai-se alastrando de um modo desesperador. Ora entre nós a épargne é escassa, a iniciativa individual vagarosa, a propriedade dividida, e portanto débil. À parte, dos grandes produtores, que têm ao canto da arca com que viverem uns poucos de anos, sem precisarem do rendimento da terra, quem possui entre nós os recursos necessários para arrancar do solo a vinha morta ou moribunda, comprar por alto preço a cepa resistente e sadia, revolver e trabalhar o solo, aguentar durante um largo período um aumento enorme de despesas e uma completa cessação de receitas? E, todavia, isto é necessário, indispensável, tem de se fazer, não daqui a meses, mas amanhã, mas hoje, mas já. É esse o lado assustador do problema, o que nos faz, se não desesperar do futuro, pelo menos vê-lo aproximar-se com uma inquietação profunda. Entre nós o crédito agrícola não existe, por assim dizer. Nenhum banco consentirá em adiantar ao pequeno proprietário, sem outras garantias, além das do terreno, e das esperanças que ele encerra, o capital necessário para a dispendiosa campanha a que a fatalidade o constrange. Como nos anos prósperos não pensou em pôr de parte, para os dias adversos, os seus recursos pessoais são escassos. Que há-de ele fazer? Cruzar os braços, e deixar-se resvalar na voragem? Mas com ele afundar-se-á também a fortuna do país, que é feita da aglomeração de todos esses pequenos patrimónios individuais. Torna-se necessário, pois, achar um remédio a esta dolorosa situação. Esse remédio qual será? Eu não o vejo senão na formação de sindicatos de defesa, constituídos, sobretudo, pelos pequenos proprietários e subsidiados pelo estado. Foi assim que em França se organizou a luta, e é por esse meio que a pequena cultura tem podido resistir aos enormes prejuízos sofridos. O número de sindicatos aumenta de ano para ano, de um modo admirável. Num documento oficial, que tenho presente, leio que, em 1888, a superfície sindicada por 21394 proprietários, dava, em média, 1 hectare, 8 ares e 19 centiares. (Continua)

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Citação

S/ autor, “QUESTÃO VINÍCOLA II”. In O Jornal de Cantanhede, n.º 45, pág. 1, col. 2,3,4, pág. 2, col. 1,2 , 27-04-1890 . Disponibilizado por: Pragas nos Periódicos, acedido 26 de Novembro de 2024, http://fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/251.

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