POLÍTICA

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S/ autor

O Jornal de Cantanhede, n.º 649, pág. 1, col. 1,2,3

23-11-1901

Pedro Barros

O artigo que abaixo publicamos é do nosso distinto colega O Popular, a quem pedimos vénia para a sua publicação. Como o assunto é de importância chamámos para ele a atenção dos nossos viticultores.
«Facto inquietador
Todos se recordam de como o país., vendo-se impetuosamente atacado pela filoxera que lhe assolou as mais importantes regiões vinícolas e reduziu à miséria considerável número de proprietários dessas regiões, ressurgiu ao cabo de alguns anos do seu abatimento e, por um impulso ingente e à crista de incalculáveis sacrifícios, conseguiu replantar de castas americanas os vastos tractos de terreno que o flagelo tinha completamente devastado. E com tal actividade procedeu e com tanta constância, que se as áreas vitícolas actuais não igualam ainda na sua extensão as dos antigos vinhedos extintos, é certo que a produção normal excede já de muito a produção antiga, mercê da maior produtividade das replantações actuais. Sucede assim que a riqueza pública voltou à sua situação anterior e que o vinho brota da terra na quantidade suficiente para podermos manter as nossas antigas exportações e ampliar as ainda, uma vez que, como é desejo de todos, possamos readquirir os mercados externos que gradualmente temos ido perdendo e por ventura consigamos alcançar outros de novo. É inútil e seria ocioso repetir o que de sobejo é sabido por todos, no que respeita à decidida e dilatada influência que este facto exerce na nossa situação económica, sendo por isso natural a solicitude com que os poderes públicos e as diversas classes sociais se ocupam cia vinicultura pátria e a tem estudado nas suas complexas relações, visto como ela desempenha o principal papel e constitui o mais importante elemento da produção nacional.

Um facto, porém, acaba de ocorrer e que para mais é a repetição de outros da mesma natureza e que se têm repetido em diversas regiões, que sem revestir por enquanto capital gravidade, é ainda assim de molde a reclamar um detido exame, e aprofundado estudo, tanto da parte do governo e das estações oficiais como dos particulares também, isto é, dos proprietários e rendeiros de vinhas, que são aqueles a quem mais principalmente e mais íntima e directamente interessa o assunto. O sindicato agrícola de Vila Viçosa por intermédio de um dos deputados do distrito, acaba de pedir ao governo uma inspecção às replantações do concelho, motivada pelo grande número de plantas americanas, umas já enxertadas, outras não ainda, que têm ido morrendo sucessivamente. Não conhecem os proprietários das vinhas, onde este facto tem sucedido, quais as causas a que sucumbem as novas plantas, tanto mais que alguns deles. e nomeadamente um que tem a área mais extensa de replantações, tiveram o cuidado de não as iniciarem sem primeiro ouvirem a opinião de agrónomos, que lhe indicassem as castas mais próprias para as suas terras. O agrónomo do distrito já procedeu à inspecção requerida, conduzindo para o laboratório da sede do mesmo distrito várias parras e cepas que devem ter sido submetidas ao exame microscópico a fim de poder com verdadeiro conhecimento emitir juízo acerca do mal a que sucumbiram as mesmas cepas. Seja ele qual for, é inegável que o facto tem produzido natural inquietação, e, a acentuar- se e a estender-se como parece ameaçar, será origem de consideráveis prejuízos e virá a constituir-se em causa suficiente de pânico, impedindo o progresso das replantações. Será que as castas sejam impróprias para os terrenos em que foram aplicadas, sucumbindo por impropriedade, do meio em que vivem? Será que as terras fortemente argilosas tolham o desenvolvimento radicular e lhes impeçam a vida? Será que a filoxera triunfe de uma imunidade relativa e logre prosseguir no seu caminho devastador, destruindo as novas plantações como destruiu as antigas? Di-lo-á o exame cuidadoso a que se deve ter procedido, ou estará procedendo, mas em todo o caso com circunspecção bastante para que a verdade seja nitidamente tirada a limpo. Em todo o caso os factos são os seguintes nos seus traços gerais. Um proprietário, pretendendo proceder a uma vasta replantação numa grande propriedade e querendo proceder com segurança, reclamou um agrónomo e ouviu o seu conselho acerca das castas a empregar nas terras em que projectava fazer a replantação. Seguiu as indicações da autoridade técnica e procedeu a todos os trabalhos de replantação com a maior cautela e o maior escrúpulo. Pois começam aqui e ali a sucumbirem-lhe as videiras, desconhecendo a causa disto. Ouvida outra autoridade técnica, esta, à simples vista declara que as castas empregadas, e que foram as que outro técnico aconselhou, são impróprias para aqueles terrenos. No meio desta discordância de opiniões e conflito de ciência, só o exame rigoroso das plantas mortas e do terreno onde viveram e morreram pôde decidir. Em todo o caso é já uma grande e lamentável origem de receios em todos os proprietários, cuja inquietação justificada é mister tranquilizar, ou esclarecer pelo menos. E o facto é tanto mais assustador quanto é certo que, no viveiro oficial de plantas americanas, sito na mesma região onde estes factos têm ocorrido, algumas plantas têm sucumbido já, não sendo fácil admitir que não fossem escolhidas as castas com respeito às terras em que foram plantadas, e podendo se presumir portanto que alguma coisa possa haver diferente da mera impropriedade dos terrenos para as castas que lhes aplicam. Nem o governo nem as instâncias oficiais deixarão de atender a um assunto que tão de perto respeita a tão importante interesses, fiando-nos que procederá com toda a circunspecção e madureza para apurar com segurança o que seja que faz em tão curto prazo morrer as novas plantas, replantadas e viventes lia há pouco tempo ainda.