Conter a doença

A notícia de pandemia impunha o controlo da circulação, mediante a adoção de modelos restritivos. O desconhecimento da origem da doença e a inexistência de terapêuticas eficazes, implicavam a aposta na contenção, de modo a evitar a disseminação dos agentes infeciosos. As medidas mais comuns consistiam em cordões sanitários, isolamento de cidades, imposição de quarentenas, criação de lazaretos e albergues provisórios. Este modelo modificou-se com o desenvolvimento da medicina experimental em finais do XIX e a institucionalização das disciplinas de bacteriologia, higiene e farmacologia. Passou a valorizar-se a medicina preventiva e práticas anticontagionistas, como o distanciamento social, a profilaxia individual e coletiva.

Remonta a 1481 o documento mais antigo, equivalente a um regimento de saúde conhecido para Portugal. Elaborado por ordem de D. João II para a cidade de Beja, definia as medidas a adotar para enfrentar a peste que então se propagava: isolamento da cidade, quarentena dos doentes e desinfeção das habitações.

CML/AML – “Regimento de Saúde elaborado pelo príncipe D. João” (1481).

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PS/003/01/0002

Embora conscientes da dificuldade em combater as doenças, as autoridades foram atualizando os órgãos e as normativas responsáveis pela prevenção e combate às mesmas. Em 1520, D. Manuel mandou erguer a Casa da Saúde em Lisboa, para acolher possíveis vítimas da peste, cujas normas de funcionamento foram revistas pelos monarcas seguintes.

CML/AML – “Livro de regimentos e posturas da Casa da Saúde [Regimento Que leva Pedro Vaz sobre o que toca ao bem da saúde de Lisboa em 1526]” (1526), f. 30.

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PS/017/01

O que hoje chamamos cordão sanitário era um instrumento essencial na restrição da circulação de pessoas e mercadorias. Impondo um controlo nas fronteiras marítimas e terrestres, com o apoio da marinha e do exército, implicava a realização de quarentenas fora da barra dos portos e em lazaretos temporários, como neste exemplo do início do século XIX.

CML/AML – “Carta sobre as providências tomadas para evitar o contágio com a peste – cordão terrestre” (1804), Évora.

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PS/009/02/007

Instalado na Torre de S. Sebastião de Caparica, em Porto Brandão, o Lazareto de Lisboa iniciou a sua atividade após a Guerra das Laranjas, com a desativação das fortalezas da margem sul do Tejo (após 1801). Destinava-se a receber pessoas e mercadorias, que chegavam a Lisboa, para quarentena e desinfeção.

CML/AML – “Passageiros do navio Lanfranc no Lazareto de Lisboa, durante um surto de febre amarela” (1909), fotografia de Joshua Benoliel.

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000354

Abandonada a Torre Velha, o Lazareto foi reedificado nas suas imediações em 1867 e dotado de serviços: desinfeção, verificação de bagagens, hospedagem e armazéns. Seria substituído pelo Posto Marítimo de Desinfeção (1906), inaugurado no porto de Lisboa, que possuía um controlo sanitário mais eficaz e uma localização mais vantajosa.

DGLAB/ANTT – “Desinfeção de mercadorias no Posto Marítimo de Lisboa” (1921), Empresa Pública Jornal “O Século”.

Cota: PT/TT/EPJS/SF/006/00217

A institucionalização da farmacologia e da indústria do medicamento, com a criação de organismos como a Companhia Portuguesa de Higiene (1891), foram indispensáveis no esforço de contenção da doença. Possibilitaram a democratização do acesso ao medicamento e a aquisição de fármacos durante os períodos epidémicos.

CML/AML – “Farmácia e laboratório de análises J. Nobre, Rossio” (1916), fotografia de Joshua Benoliel.

Cota: PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001521

A generalização do desporto e de práticas de veraneio foram encarados como meio de robustecimento físico e mental, assegurando a prevenção contra a doença. Criaram-se várias colónias balneares para crianças, assegurando férias junto ao mar, sendo a mais antiga a Colónia Balnear Infantil de “O Século”.

CINEMATECA – “Férias à Beira-Mar, Colónia Balnear Infantil de “O Século”” (1942), realizado por Arthur Duarte.

Cota: 7001442

Inaugurado em 1934, por iniciativa de Bissaya Barreto (1886-1974), o Preventório de Penacova foi uma instituição pioneira na assistência a crianças e grávidas. Integrava um projeto de medicina social, que visava apoiar e recolher crianças pobres cujos pais tivessem sido afetados pela tuberculose, evitando a sua disseminação.

FCG/BA – “Junta da Província da Beira Litoral [Material gráfico]”, (19-), [Preventório de Penacova], fotografia do Estúdio Mário Novais.

Cota: CFT003.68560; imagem 2 de 3

A valorização da prática da vacinação permitiu a criação, em 1812, do Instituto Vacínico, anexo à Academia Real das Ciências. Esta instituição apostou na vacinação antivariólica gratuita, através da atividade dos seus médicos associados, que se encontravam espalhados pelo país. Também a Cruz Vermelha e a Santa Casa da Misericórdia asseguraram a vacinação antivariólica de crianças.

DGLAB/ANTT – “Vacinação antivariólica de crianças no Quiçama, Angola” (19-), Assistência Geral do Ultramar.

Cota: PT/TT/AGU/001/004522

O Programa Nacional de Vacinação, estabelecido em Portugal em 1965, destinava-se a incrementar a imunidade da população e reduzir a incidência de doenças contagiosas. Incluía vacinas contra a poliomielite, a tosse convulsa, a difteria, o tétano, a varíola e a tuberculose. Nesse ano foi ainda criado o Boletim Individual de Saúde, indispensável no acesso das crianças à escola e dos adultos a várias profissões na administração pública.

DGLAB/ANTT – “Uma menina tomando a vacina, por via oral, contra a poliomielite […] num dos postos que foram montados em todas as freguesias do distrito de Lisboa pela direcção geral de Saúde […]” (1965), Empresa Pública Jornal “O Século”.

Cota: PT/TT/EPJS/SF/001-001/0168/3122AQ

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