BRASIL
Pirassununga, 22 de Outubro de 1906
Dublin Core
Título
BRASIL
Pirassununga, 22 de Outubro de 1906
Pirassununga, 22 de Outubro de 1906
Criador
S/ autor
Fonte
O Jornal de Cantanhede, n.º 909, pág. 2, col. 1
Data
17-11-1906
Colaborador
Pedro Barros
Text Item Type Metadata
Text
Dizem que não há inferno?
Mentira.
Há, sim senhores, e até mais do que um; e um desses tais estafermos é volante, não sendo nós que batemos às portas do Inferno, mas este é que hoje bateu, às 4 horas da tarde, às portas de Pirassununga.
Tal Inferno é … são … os endemoninhados gafanhotos. Espectáculo tristemente admirável!
Uma nuvem imensa, compacta, de quilómetros de comprido, obscureceu o sol, e, num momento, esta cidade apareceu às escuras, em plena tarde de um calor sufocante.
Dentro em poucos segundos, numa atrapalhação que não se descreve, tudo veio para a rua … mulheres, homens, crianças, com cacetes e ramos verdes compridos; senhoritas e meninos com latas de petróleo chocalhando nelas numa fúria ensurdecedora; os comerciantes soltando foguetes, rojões e bombas de dinamite; espingardas, revólveres, flobers, tudo, tudo se disparou, tudo veio para a rua num barulho infernal, numa algazarra desesperada, terrível, infamemente inocente…
Parecia que se acabava o mundo!
E tudo para quê?
Para espantar e espatifar esses malditos ortópteros, que se riam dos nossos incómodos, zombavam das nossas metralhadoras, não faziam caso da nossa gritaria, e lá vinham eles, como vieram, num zumbido medonho e com uma fome derrancada pousar sobre os nossos quintais, enfiando-se pelas nossas janelas, soprando aos nossos ouvidos, aninharem-se sobre as nossas camas, depois de cobrirem os nossos telhados, de estragarem as nossas frutas dos nossos pomares, e de se agarrarem, como polvos, às lindas flores dos nossos jardins.
Ah, por la Madona…!
Cá estão eles, pois. Hóspedes esfomeados, impertinentes, deslavados e ordinários… mas enfim estão nossos hóspedes, temos que os aturar.
Temos lido descrições horrorosas dos estragos por eles ocasionados no Paraná e Santa Catarina. Temos acompanhado os sustos por eles metidos à lavoura para o lado sul do nosso Estado. Em face de tudo isto saltitava-nos sempre nos lábios um sorriso indiferente.
Mas agora… que os trens chegam a ponto de não poderem seguir viagem, porque os trilhos do caminho-de-ferro estão cobertos de tal bicharia e às rodas das locomotivas falta o atrito, agora que experimentamos os destroços inqualificáveis de tão devoradores animalejos, só sabemos dizer:
- Meus Deus, santos são os Teus desígnios! Levai para bem longe tal praga que tanto sobressalto e prejuízo nos causa, de molde a que nem aos nossos inimigos vá importunar.
Bem dita seja sempre a vontade de Nosso Senhor! Nunca julgaria ver em nossos dias uma tão soberba prova da célebre praga de gafanhotos, no Egipto dos tempos bíblicos….
Mentira.
Há, sim senhores, e até mais do que um; e um desses tais estafermos é volante, não sendo nós que batemos às portas do Inferno, mas este é que hoje bateu, às 4 horas da tarde, às portas de Pirassununga.
Tal Inferno é … são … os endemoninhados gafanhotos. Espectáculo tristemente admirável!
Uma nuvem imensa, compacta, de quilómetros de comprido, obscureceu o sol, e, num momento, esta cidade apareceu às escuras, em plena tarde de um calor sufocante.
Dentro em poucos segundos, numa atrapalhação que não se descreve, tudo veio para a rua … mulheres, homens, crianças, com cacetes e ramos verdes compridos; senhoritas e meninos com latas de petróleo chocalhando nelas numa fúria ensurdecedora; os comerciantes soltando foguetes, rojões e bombas de dinamite; espingardas, revólveres, flobers, tudo, tudo se disparou, tudo veio para a rua num barulho infernal, numa algazarra desesperada, terrível, infamemente inocente…
Parecia que se acabava o mundo!
E tudo para quê?
Para espantar e espatifar esses malditos ortópteros, que se riam dos nossos incómodos, zombavam das nossas metralhadoras, não faziam caso da nossa gritaria, e lá vinham eles, como vieram, num zumbido medonho e com uma fome derrancada pousar sobre os nossos quintais, enfiando-se pelas nossas janelas, soprando aos nossos ouvidos, aninharem-se sobre as nossas camas, depois de cobrirem os nossos telhados, de estragarem as nossas frutas dos nossos pomares, e de se agarrarem, como polvos, às lindas flores dos nossos jardins.
Ah, por la Madona…!
Cá estão eles, pois. Hóspedes esfomeados, impertinentes, deslavados e ordinários… mas enfim estão nossos hóspedes, temos que os aturar.
Temos lido descrições horrorosas dos estragos por eles ocasionados no Paraná e Santa Catarina. Temos acompanhado os sustos por eles metidos à lavoura para o lado sul do nosso Estado. Em face de tudo isto saltitava-nos sempre nos lábios um sorriso indiferente.
Mas agora… que os trens chegam a ponto de não poderem seguir viagem, porque os trilhos do caminho-de-ferro estão cobertos de tal bicharia e às rodas das locomotivas falta o atrito, agora que experimentamos os destroços inqualificáveis de tão devoradores animalejos, só sabemos dizer:
- Meus Deus, santos são os Teus desígnios! Levai para bem longe tal praga que tanto sobressalto e prejuízo nos causa, de molde a que nem aos nossos inimigos vá importunar.
Bem dita seja sempre a vontade de Nosso Senhor! Nunca julgaria ver em nossos dias uma tão soberba prova da célebre praga de gafanhotos, no Egipto dos tempos bíblicos….
Ficheiros
Colecção
Citação
S/ autor, “BRASIL
Pirassununga, 22 de Outubro de 1906 ”. In O Jornal de Cantanhede, n.º 909, pág. 2, col. 1 , 17-11-1906. Disponibilizado por: Pragas nos Periódicos, acedido 29 de Novembro de 2024, http://fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/1010.
Pirassununga, 22 de Outubro de 1906 ”. In O Jornal de Cantanhede, n.º 909, pág. 2, col. 1 , 17-11-1906. Disponibilizado por: Pragas nos Periódicos, acedido 29 de Novembro de 2024, http://fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/1010.