Continuação da moléstia das vinhas
Dublin Core
Título
Continuação da moléstia das vinhas
Criador
Conde de Samudães
Fonte
O Incentivo, pp. 1-2
Data
25-04-1857
Colaborador
Ana Isabel Queiroz
Text Item Type Metadata
Text
No último ano empregamos a flor de enxofre, e apesar de ter sido aplicada já tarde, não deixou de produzir o efeito curativo, porque nas vinhas enxofradas apenas houve um cesto de uva afetada. Foi muito pequena a novidade, mas em primeiro lugar a nascença foi quase nula, em segundo o inverno prolongado pela primmavera destruiu-a em parte, e por consequência o enxofre nada podia melhorar, e por último os intensos calores passaram as uvas de modo que não supriam coisa alguma.
É porém indubitável que o remédio existe nessa substância; um nosso vizinho a cujo pedido cedemos seis arrobas de flôr de enxofre aplicou-o esmeradamente, e até sobre castas que eram sempre destruídas: nas vinhas que receberam teve trinta e seis almudes de vinho; este vendido a 70$000 reis dava-lhe 105$000, gastou 10$000 na flôr de enxofre, logo lucrou 95$000, pois se a não tivesse aplicado nada teria, como lhe sucedeu em todas as mais vinhas que tinha. Em fim todos as mais vinhas que tinha. Em fim todos quantos fizeram uso deste específico tiraram resultado lisonjeiro; é esta hoje uma opinião geral no Douro.
A sua aplicação contudo não é operação tão simples que não exija todas as cautelas da parte do viticultor. Deve-se humedecer sempre a videira antes de fazer a insuflação; deve escolher-se um dia sereno para aplicá-la cobrir bem os sarmentos, e ter concluído a primeira insuflação quando a videira começa a limpar; a segunda insuflação é indispensável, e deve fazer-se pelo S. João, e sempre com todas as cautelas; a terceira pode melhor dispensar-se. Se não se fez com todas as precauções estamos que o lavrador pela maior parte perderá o seu trabalho e despesa.
Entendemos pois e aconselhamos a todos os proprietários de vinhas de boa qualidade que não deixem passar mais um ano sem tentar melhorar o estado lastimoso em que se acham, usando dos diferentes meios que são indicados para curar a epífitia vinícola.
Com quanto estejamos seguros de que nem a vinha nem o vinho acabam, e que anos de ambulância e de felicidade hão-se volver ainda para nós, não podemos contudo aventar que tempo o flagelo nos oprimirá ainda. Ainda há dias estivemos com um jurisconsulto respeitável que nos disse havia visto de pouco tempo dois prazos antigos, um de 1650, outro de 1702, em que os outorgantes acautelavam (…) bolôr na vinha, porquanto nessa hipótese o enfiteuta em vez de pagar o foro em género, satisfa-lo-ia em dinheiro, a razão de 360 reis por almude de vinho.
Vê-se pois que nas épocas em tais condições se estipularam ainda existiam vivos na lembrança dos contratantes os estragos que o chamado bolor fazia na videira.
O bolor se então será o oidium de hoje? Há sobre isto opiniões, e o sr. Louis Leclerc não se inclina mito para este sentir; pelo contrário homens distintos como o sr. Tisserand, e o conde Brignole dizem que o oidium existiu já e acabou, e por isso também há-de acabar desta vez. Um naturalista florentino do século passado, Targione-Fozzetti descreve o criptogama da vinha como ele hoje se apresenta; parece pois que este nível da vinha já não pode afirmar que ele fosse sempre o mesmo, por que todas as plantas têm sofrido sempre epidemias, que mais ou menos tem afetado a sua existência. Demais as culturas têm variado, e por elas se tem modificado a maneira de existir dos arbustos; pois cultivaremos nós hoje a vinha como a cultivavam os romanos? Por certo que não; pois se na espécie humana se notam hoje muitos morbus que se não conheceram na antiguidade, o entre outros aí temos visto em torno de nós o assolador homicída chamado – cólera morbus – qual será a razão porque o oídium não ser+a também um novo inimigo da videira, que venha a ajuntar-se a essa interminável série dis indivíduos velhos? São pois possíveis ambas as opiniões de que o oidium seja ou não um antigo, embora desagradável conhecimento; contudo parece que o cinzeiro ou bolor, de que havia notícia ainda no princípio de século não tem caracteres muito diferentes do actual oídium.
Mas que caracter teve a moléstia no seu aparecimento? Que período de duração teve ela? Eis factos que não foram transmitidos e que muito contribuiram para formarmos a epicris da moléstia. Todavia a aparência geral das vinhas, o melhoramento da vara, o viço que conservam até o tempo próprio, em fim todos os simtomas indicam que vamos entrar num período de decrescimento.
Nada desanimem pois os lavradores, que a Providência que nos visirara com este flagelo, vai dar-nos dias mais serenos. Com que a tristeza percorrendo nós o país vinhateiro notamos em muitas propriedades os sinais percursores da sua destruição completa, caracterisados no abandono em que as vemos. Plantas bravas e destruidoras da cepa, porque esgotam a terra, tendo tido uma vegetação livre por ter sido abandonada a vinha, vão abafando esta e tornando-a esteril. Quando a mão de Deus deixar de pesar, e que o agrónomo acordando do seu sono se vir sem propriedades, sem capitais para melhorá-los ou criá-las, e só com um espetáculo medonho da sua miséria.
Que dores o esperam? Quando esse momento chegar, e nos esperamos que ele não vá longe, a sua aflição deve ser muito maior do que a que atualmente sente; porque agora vê-se pobre, mas em torno de si não observa senão rostos macerados pelas lágrimas e pela abstinência, e quando a epidemia desaparecer contemplará a abundância e ventura de seus vinhos.
É pois de toda a conveniência que os vinhateiros procurem granjear e sustentarem as suas vinhas para que um mal de alguns anos não se exponham a um sofrimento indefinido. Essas culturas de cereais, de que se lançou mão nos primeiros dois anos da moléstia devem ser abandonadas: 1º porque a cultura fica caríssima, visto que não se pode fazer por arado, mas só é enxada; 2º porque a produção é nula, não só pela magreza da terra, mas sobre tudo pela falta de adubo; 3º porque tais culturas entre as vinhas destroem estas, enfraquecem-nas fazendo-as muito mais sujeitas a quaisquer acessos morbosos. Deve pois acabar para sempre a cultura do centeio, trigo, cevada e tremoços no meio das vinhas. Não encontramos tantos inconvenientes no milho que devem cultivar-se quando aí possam tirar vantagem (continua noutro numero do mesmo jornal).
É porém indubitável que o remédio existe nessa substância; um nosso vizinho a cujo pedido cedemos seis arrobas de flôr de enxofre aplicou-o esmeradamente, e até sobre castas que eram sempre destruídas: nas vinhas que receberam teve trinta e seis almudes de vinho; este vendido a 70$000 reis dava-lhe 105$000, gastou 10$000 na flôr de enxofre, logo lucrou 95$000, pois se a não tivesse aplicado nada teria, como lhe sucedeu em todas as mais vinhas que tinha. Em fim todos as mais vinhas que tinha. Em fim todos quantos fizeram uso deste específico tiraram resultado lisonjeiro; é esta hoje uma opinião geral no Douro.
A sua aplicação contudo não é operação tão simples que não exija todas as cautelas da parte do viticultor. Deve-se humedecer sempre a videira antes de fazer a insuflação; deve escolher-se um dia sereno para aplicá-la cobrir bem os sarmentos, e ter concluído a primeira insuflação quando a videira começa a limpar; a segunda insuflação é indispensável, e deve fazer-se pelo S. João, e sempre com todas as cautelas; a terceira pode melhor dispensar-se. Se não se fez com todas as precauções estamos que o lavrador pela maior parte perderá o seu trabalho e despesa.
Entendemos pois e aconselhamos a todos os proprietários de vinhas de boa qualidade que não deixem passar mais um ano sem tentar melhorar o estado lastimoso em que se acham, usando dos diferentes meios que são indicados para curar a epífitia vinícola.
Com quanto estejamos seguros de que nem a vinha nem o vinho acabam, e que anos de ambulância e de felicidade hão-se volver ainda para nós, não podemos contudo aventar que tempo o flagelo nos oprimirá ainda. Ainda há dias estivemos com um jurisconsulto respeitável que nos disse havia visto de pouco tempo dois prazos antigos, um de 1650, outro de 1702, em que os outorgantes acautelavam (…) bolôr na vinha, porquanto nessa hipótese o enfiteuta em vez de pagar o foro em género, satisfa-lo-ia em dinheiro, a razão de 360 reis por almude de vinho.
Vê-se pois que nas épocas em tais condições se estipularam ainda existiam vivos na lembrança dos contratantes os estragos que o chamado bolor fazia na videira.
O bolor se então será o oidium de hoje? Há sobre isto opiniões, e o sr. Louis Leclerc não se inclina mito para este sentir; pelo contrário homens distintos como o sr. Tisserand, e o conde Brignole dizem que o oidium existiu já e acabou, e por isso também há-de acabar desta vez. Um naturalista florentino do século passado, Targione-Fozzetti descreve o criptogama da vinha como ele hoje se apresenta; parece pois que este nível da vinha já não pode afirmar que ele fosse sempre o mesmo, por que todas as plantas têm sofrido sempre epidemias, que mais ou menos tem afetado a sua existência. Demais as culturas têm variado, e por elas se tem modificado a maneira de existir dos arbustos; pois cultivaremos nós hoje a vinha como a cultivavam os romanos? Por certo que não; pois se na espécie humana se notam hoje muitos morbus que se não conheceram na antiguidade, o entre outros aí temos visto em torno de nós o assolador homicída chamado – cólera morbus – qual será a razão porque o oídium não ser+a também um novo inimigo da videira, que venha a ajuntar-se a essa interminável série dis indivíduos velhos? São pois possíveis ambas as opiniões de que o oidium seja ou não um antigo, embora desagradável conhecimento; contudo parece que o cinzeiro ou bolor, de que havia notícia ainda no princípio de século não tem caracteres muito diferentes do actual oídium.
Mas que caracter teve a moléstia no seu aparecimento? Que período de duração teve ela? Eis factos que não foram transmitidos e que muito contribuiram para formarmos a epicris da moléstia. Todavia a aparência geral das vinhas, o melhoramento da vara, o viço que conservam até o tempo próprio, em fim todos os simtomas indicam que vamos entrar num período de decrescimento.
Nada desanimem pois os lavradores, que a Providência que nos visirara com este flagelo, vai dar-nos dias mais serenos. Com que a tristeza percorrendo nós o país vinhateiro notamos em muitas propriedades os sinais percursores da sua destruição completa, caracterisados no abandono em que as vemos. Plantas bravas e destruidoras da cepa, porque esgotam a terra, tendo tido uma vegetação livre por ter sido abandonada a vinha, vão abafando esta e tornando-a esteril. Quando a mão de Deus deixar de pesar, e que o agrónomo acordando do seu sono se vir sem propriedades, sem capitais para melhorá-los ou criá-las, e só com um espetáculo medonho da sua miséria.
Que dores o esperam? Quando esse momento chegar, e nos esperamos que ele não vá longe, a sua aflição deve ser muito maior do que a que atualmente sente; porque agora vê-se pobre, mas em torno de si não observa senão rostos macerados pelas lágrimas e pela abstinência, e quando a epidemia desaparecer contemplará a abundância e ventura de seus vinhos.
É pois de toda a conveniência que os vinhateiros procurem granjear e sustentarem as suas vinhas para que um mal de alguns anos não se exponham a um sofrimento indefinido. Essas culturas de cereais, de que se lançou mão nos primeiros dois anos da moléstia devem ser abandonadas: 1º porque a cultura fica caríssima, visto que não se pode fazer por arado, mas só é enxada; 2º porque a produção é nula, não só pela magreza da terra, mas sobre tudo pela falta de adubo; 3º porque tais culturas entre as vinhas destroem estas, enfraquecem-nas fazendo-as muito mais sujeitas a quaisquer acessos morbosos. Deve pois acabar para sempre a cultura do centeio, trigo, cevada e tremoços no meio das vinhas. Não encontramos tantos inconvenientes no milho que devem cultivar-se quando aí possam tirar vantagem (continua noutro numero do mesmo jornal).
Ficheiros
Colecção
Citação
Conde de Samudães, “Continuação da moléstia das vinhas”. In O Incentivo, pp. 1-2, 25-04-1857. Disponibilizado por: Pragas nos Periódicos, acedido 26 de Novembro de 2024, http://fcsh.unl.pt/pragasnosperiodicos/items/show/16.